CRÔNICAS (DES)UMANAS

O surto coletivo do morango do amor é uma das provas concretas de que esse papinho de liberdade não passa de ideologia iluminista.

Vem comigo!

Dizem que somos seres racionais, autônomos, livres. Mas basta um vídeo de 15 segundos bombar no TikTok pra todo mundo atravessar a cidade atrás de um doce (que no final descobriram que nem era tão bom assim). E o pior: achando que está fazendo isso por vontade própria.

Essa liberdade que tanto vendem por aí parece mais uma farsa gourmet. É tipo uma vitrine cheia de produtos repetidos, onde você acha que escolheu, mas só pegou o que estava no topo da pilha. Com amor e granulado.

Se Kant visse isso, ele teria um AVC moral. Liberdade, pra ele, não era fazer o que tem vontade, e sim agir com consciência, por um princípio racional. Escolher o bem porque é o certo, não porque tá viralizado. Ele diria: “você não é livre quando age por impulso, você é só um reflexo do que jogaram no seu feed”. E ele estaria certo.

Sartre, mais ácido, diria: “tudo bem, você é livre sim. Livre pra se comportar como um gado digital. E ainda fingir que não escolheu.” Ele acreditava que somos livres o tempo todo, mesmo quando fugimos da responsabilidade. O problema é que a maioria não quer ser livre, quer só pertencer. E quando você entra numa fila de 3 horas porque alguém disse que “vale a pena”, você não está exercendo liberdade. Você está só escapando de decidir por si mesmo.

Agostinho ia olhar esse desejo descontrolado e dizer: “isso é só fome de alma mal resolvida.” – para mim o mais sensato de todos -. Porque o problema não é o morango. É o vazio. E a tentativa de preencher esse vazio com qualquer coisa doce, bonita e aprovada pelos outros.

Até Locke, que dizia que a liberdade era ser dono de si – o mais iludido e equivocado de todos -, hoje teria que admitir que a maioria já entregou as chaves pro algoritmo. Se sua vontade é ditada pelo que você vê repetido na tela, quem é que está no comando, afinal?

Na realidade, o morango não é o problema. O problema é que todo mundo desejou a mesma coisa, ao mesmo tempo, com a mesma legenda. Não porque gosta de morango, muito menos por gosta de doce. Desejou porque os outros estavam desejando. Isso não é liberdade. Isso é padrão de rebanho com filtro bonito. É a ilusão de escolha dentro de um cardápio já aprovado. Liberdade de verdade exige consciência. E consciência dá trabalho danado.

Você pode até comer o doce. Mas saiba porquê está fazendo isso. E sabe a razão da importância disso? Porque no fim das contas, o que a gente chama de desejo muitas vezes é só medo de ficar de fora. E aí não tem liberdade nenhuma. Só gente repetindo comportamento sem nem perceber.

Ser livre não é fazer o que quer. É saber por que você quer o que quer. Senão, você vira só mais um na fila, achando que está escolhendo, quando na verdade está sendo escolhido. Pelo marketing. Pela massa. Pelo medo.

E o nome disso não é liberdade. É adestramento gourmet.